Por Dr. Sebastian Marek, Adrian Harder, Franziska Heitzer e Annika Maria Ullmayer
Diversos fatores macro e microeconômicos influenciam o panorama do financiamento para pequenas e médias empresas (PME), que desempenham papel crucial nas economias europeias. O impressionante é que muitos desses fatores estão se combinando atualmente para tornar as fontes externas de financiamento menos disponíveis e atraentes para as PMEs.
Além disso, avaliar o risco das PMEs é um desafio para muitos bancos devido à assimetria de informações. Para eles, portanto, fazer empréstimos geralmente não vale tanto a pena do ponto de vista comercial. Muitas PMEs também não estão em conformidade com o apetite a riscos da maioria dos bancos. Há ainda a questão de os custos para atender PMEs serem bastante elevados, já que as despesas fixas dessas empresas são semelhantes às de clientes maiores, mas elas oferecem menos potencial de receita. Também é preciso considerar os requisitos regulatórios, como o regulamento de Basileia III e IV, o processo de análise e avaliação para fins de supervisão (SREP, na sigla em inglês) e a revisão direcionada de modelos internos (TRIM, na sigla em inglês), que limitam ainda mais a disponibilidade de capital e, portanto, empréstimos, inclusive para o segmento de PME. A colcha de retalhos em que se transformou o quadro de regulações em toda a Europa torna ainda mais difícil para os provedores de produtos financeiros internacionais operar em diferentes jurisdições.
Ao mesmo tempo, o atual cenário econômico põe pressão imensa sobre a estabilidade financeira de muitas PMEs. O aumento da inflação e os altos custos de energia estão restringindo o orçamento dessas empresas. A escassez e as disrupções nas cadeias de suprimentos globais elevaram os requisitos de capital de giro, pois as empresas tiveram que aumentar seus estoques para reduzir a incerteza em sua cadeia de suprimentos. De acordo com a pesquisa German Industry Increases Warehousing 2022, realizada pelo Ifo – instituto de pesquisa econômica sediado em Munique –, 73% das PMEs aumentaram seus estoques desde 2020 e a um custo mais alto. A recessão iminente também está prejudicando a receita, reduzindo ainda mais a margem de lucro das PMEs. Para agravar a situação, as taxas de inadimplência vêm aumentando entre os clientes das PMEs, com impacto negativo nas receitas realizadas. Entretanto, o evidente aumento dos pagamentos atrasados de clientes alonga o ciclo de conversão de caixa para as PMEs.1
O impacto combinado desses fatores levou a uma situação em que as PME precisam de mais financiamento. Ao mesmo tempo, porém, a oferta de financiamento dos bancos está se tornando mais restrita ou muito cara para elas.
De acordo com uma pesquisa recente do Ifo, cerca de 30% das PMEs alemãs que buscam financiamento se queixam de uma oferta limitada de empréstimos bancários.2 Essa é uma constatação alarmante quando consideramos a forte dependência de financiamento bancário das PMEs. É ainda mais preocupante quando se tem em conta que a percentagem de financiamento externo proveniente de empréstimos bancários na Europa ronda os 70%, contra 40% nos Estados Unidos.3 Uma em cada quatro PMEs na Europa relata agora ter graves dificuldades no acesso a financiamento, outras apontam para um aperto de liquidez.4 Como resultado, a questão do subfinanciamento tornou-se uma preocupação importante para a economia em geral.
1 Intrum: European Payment Report – Country Snapshot Germany (2022)
2 Ifo: German Banks More Reluctant to Lend to Companies (2023)
3 Euler Hermes: European SMEs: Filling the Bank Financing Gap (2019)
4 Banco Europeu de Investimento (EIB, na sigla em inglês): Gap analysis for small and medium-sized enterprises financing in the European Union (2019)
Para entender e quantificar as necessidades de financiamento não atendidas das PMEs em mais profundidade, podemos calcular o gap de financiamento bancário. Isso seria o montante de financiamento necessário às PME que não pode ser coberto por empréstimos bancários.
Seguindo a metodologia utilizada pelo Banco Europeu de Investimento (EIB, na sigla em inglês) e usando os dados mais recentes disponíveis (2022) de uma pesquisa sobre o acesso a financiamento das empresas (Safe, na sigla em inglês), calculamos um déficit de financiamento bancário na Alemanha de aproximadamente 15 bilhões de euros.5 6 Chegamos a esse valor levando em conta a proporção de PMEs que podem ser consideradas viáveis para financiamento porque relataram receita estável ou crescente (aproximadamente 77%), mas não tiveram sucesso na obtenção de financiamento
Vale notar que o gap de financiamento observado tem diminuído nos últimos anos (o EIB identificou um déficit de cerca de 20 bilhões de euros em 2018), mas permanece alto. A conclusão implícita de que há melhores condições de financiamento para as PMEs, portanto, pode ser enganosa. A proporção de PMEs financeiramente viáveis caiu, já que a pandemia de covid-19 teve um impacto negativo e duradouro em termos de receitas, situação financeira e expectativas futuras. Além disso, os eventos macroeconômicos e geopolíticos mais recentes continuam a lançar sombra sobre as perspectivas das PMEs.
A diminuição do número de PMEs viáveis é o principal fator da recente redução do gap de financiamento. Ao examinar os dados de mercado disponíveis sobre os níveis de lucratividade das PMEs na Alemanha, pode-se observar uma parcela comparável de PMEs financeiramente viáveis nos últimos anos. Aproximadamente 80% das PMEs apresentaram lucros antes de juros e impostos (Ebitda) no período 2020/2021, muito em linha com a constatação do EIB, cuja métrica se concentra na evolução do faturamento.
No entanto, outros parâmetros considerados no cálculo mantiveram-se estáveis ao longo do tempo. Entre esses fatores estão variáveis estruturais, como a importância dos empréstimos bancários e a taxa de sucesso na sua obtenção. Eles funcionam como fortes indicadores de déficit de financiamento para as PMEs.
A metodologia empregada para avaliar o gap de financiamento bancário não é uma ciência exata, mas um ponto de partida para avaliar a magnitude das necessidades de financiamento não atendidas das PMEs. Há muitas razões por trás do gap de financiamento bancário. Entre elas, os fatores relacionados aos bancos, como descrito acima, mas também os provenientes das próprias PMEs, como a relutância em aceitar as condições bancárias ou a incapacidade de cumprir os critérios de elegibilidade dos bancos.
Além dos empréstimos bancários, outros instrumentos de financiamento tradicionais (sistema bancário paralelo, crédito rotativo, pré-financiamento e factoring tradicional) representam desafios semelhantes para as PMEs. Eles costumam se caracterizar por processos complexos e demorados, custos elevados e prazos de pagamento desfavoráveis. Os custos são altos, pois a avaliação de risco das PMEs é onerosa para os provedores de financiamento tradicionais (devido a um alto nível de assimetria de informações), o que leva a um custo de atendimento alto. Além disso, os instrumentos tradicionais oferecem flexibilidade limitada e geralmente são caracterizados por baixo nível de digitização, exigindo processos manuais para fechamento.
Em resumo, muitas fontes de financiamento, mesmo quando disponíveis, são proibitivamente caras ou envolvem um ônus administrativo excessivo. Como resultado, fica inviável para as PMEs obtê-las e para os bancos fornecê-las. Vários instrumentos tradicionais, portanto, estão mal equipados para satisfazer as necessidades de financiamento das PMEs e acabar com o gap de financiamento bancário.
A dimensão do gap de financiamento bancário evidencia a necessidade de encontrar soluções que reduzam ou mesmo evitem uma má situação financeira das PMEs, como descrevemos. Essas empresas precisam urgentemente de financiamento digital com pouca burocracia e baixo custo.
5 Banco Europeu de Investimento: Gap analysis for small and medium-sized enterprises financing in the European Union (2019)
6 Banco Central Europeu (EDB, na sigla em inglês): Survey on access to finance of enterprises (Safe)
O ambiente atual, embora desafiador para as PMEs, apresenta uma grande oportunidade de negócios para quem consegue oferecer soluções inovadoras. As finanças incorporadas surgiram como uma resposta convincente ao subfinanciamento, ao dimensionar as dificuldades não só para os bancos, mas também para as PMEs.
Em geral, as finanças incorporadas referem-se à integração de serviços e produtos financeiros por um provedor não financeiro em sua própria jornada ou plataforma de atendimento ao cliente. Entre os serviços, há uma variedade de produtos financeiros, desde empréstimos e seguros até depósitos. Na área business-to-business, esses serviços financeiros podem ser integrados em plataformas de provedores não financeiros, como sistemas de gestão integrada (ERP) ou software de contabilidade e sistemas de aquisição eletrônica. Esses serviços podem criar uma jornada fluida para o cliente, no ponto em que ele mais precisa, e gerar oportunidades à medida que as empresas interagem e adquirem produtos financeiros, enquanto conduzem suas atividades não financeiras diárias. Como a jornada do cliente é criada em conjunto por players de serviços financeiros e não financeiros, a integração é chamada de incorporada.
As finanças incorporadas podem ser benéficas tanto para as PMEs quanto para os provedores de financiamento. Para as PMEs, a simplificação dos processos ajuda muito, principalmente em comparação com os instrumentos de financiamento tradicionais, caracterizados por processos morosos e custos elevados. A aquisição de produtos financeiros está inserida em jornadas não financeiras, como gestão de estoques, auditoria de contas a receber e a pagar ou operações de compras.
Para provedores de financiamento, as finanças incorporadas ajudam a reduzir os riscos por minimizar a assimetria de informações. Uma série de dados disponíveis nas plataformas às quais o serviço está integrado (como dados de transações passadas, histórico de pagamentos ou metadados de interação) pode ser usada em tempo real, além dos dados normalmente disponíveis para os bancos, como balanços patrimoniais. Isso reduz a assimetria de informações e o custo da avaliação de risco, facilitando a prestação de serviços de financiamento às PMEs.
O factoring incorporado e o seguro de crédito comercial incorporado são dois casos de uso interessantes que ilustram como as finanças incorporadas podem ajudar a eliminar o gap de financiamento para as PMEs, ao mesmo tempo que abordam um problema muito atual: o aumento das taxas de inadimplência e dos requisitos de capital de giro. Esses casos de uso podem reduzir o risco para o provedor de financiamento e ajudar a eliminar o gap de financiamento bancário.
O factoring incorporado permite às PMEs ter acesso rápido à liquidez dos seus recebíveis, com uma taxa de serviço deduzida do valor da fatura. Do ponto de vista do provedor de serviços financeiros, a integração da solução de factoring em um software ERP ou em sistemas de faturamento, por exemplo, viabiliza um alto grau de automação, custos otimizados e análise de risco com uso de uma grande quantidade de dados disponíveis e relevantes. Esse sistema substitui a tradicional gestão de liquidez realizada pelos bancos e permite que as PMEs gerenciem suas finanças de forma independente e em uma jornada sem barreiras. As empresas podem realizar o factoring de faturas individuais ou exposições de devedores com apenas um clique. Além disso, é possível tomar decisões de factoring de curto prazo e fazer pagamentos. Para os financiadores, isso significa que eles podem tomar decisões sobre transações e cobranças específicas e mais granulares, em vez de se basearem apenas no risco agregado de toda a empresa.
O seguro de crédito comercial incorporado fornece seguro para faturas individuais ou para um portfólio de faturas com apenas um clique e permite que as faturas sejam seguradas no momento da transação. Com o alto nível de automação e digitização, a eficiência e a velocidade do processo podem ser aprimoradas. O processo também pode ser integrado a uma plataforma de factoring para aumentar a atratividade das contas a receber, já que isso reduz o risco ainda mais.
Quatro tipos de participantes fazem parte do ecossistema financeiro incorporado: plataformas, realizadores, facilitadores e titulares de licenças. Ao contrário do que acontece no sistema bancário tradicional, em que um titular de licença integrado gerencia todo o processo, desde as operações financeiras, regulatórias e técnicas até a interação direta com o cliente, cada um dos participantes do ecossistema financeiro incorporado desempenha um papel específico, geralmente de forma combinada para criar uma solução abrangente para o cliente final. Dependendo de sua oferta de serviços, porém, uma mesma empresa pode abranger os serviços de mais de um player.
O ecossistema financeiro incorporado é, portanto, uma configuração dinâmica e interdependente, baseada na cooperação entre facilitadores, realizadores e plataformas para alcançar o sucesso. A interação entre esses três tipos de players cria uma solução abrangente para o cliente final, garantindo a ele o atendimento de suas necessidades e uma experiência positiva.
O financiamento incorporado oferece uma enorme oportunidade para os bancos tradicionais utilizarem e refinarem suas competências fundamentais existentes para fornecerem uma solução mais abrangente aos clientes. Esse movimento é essencial para acompanhar as tendências recentes do mercado e manter a competitividade.
Os bancos podem fazer uso de sua infraestrutura para oferecer uma experiência de cliente contextualizada, sem barreiras, mais personalizada e relevante, que corresponda às necessidades de segmentos mal atendidos ou não atendidos. Essas instituições podem obter uma vantagem competitiva ao expandir sua base de clientes e receitas por meio do desenvolvimento de novos segmentos, ao mesmo tempo em que reduzem riscos e o custo de atendimento (com base em mais disponibilidade e dados). Para atingir esses objetivos, os bancos podem assumir os papéis de titulares de licenças e realizadores no ecossistema financeiro incorporado.
Para alcançar esse crescimento, os incumbentes precisam se concentrar em diferentes aspectos:
As finanças incorporadas oferecem aos bancos tradicionais uma grande oportunidade de criar vantagem competitiva sobre os rivais e oferecer uma solução mais abrangente a seus clientes. Ao usar a infraestrutura e os recursos existentes, os bancos podem expandir seus fluxos de receita, reduzindo o custo de atendimento e os riscos. Para adotar o ecossistema financeiro incorporado, é preciso adaptar e repensar as competências essenciais. Os possíveis benefícios para os bancos e seus clientes, porém, são grandes.
Em última análise, as finanças incorporadas são uma maneira de os bancos tradicionais eliminarem o gap de financiamento para as PMEs e proporcionarem ao cliente uma experiência mais personalizada e relevante. Essa oportunidade fica bem clara no caso de uso específico do mercado de factoring B2B.